O senso comum diz que amigos são poucos. Mas poucos quantos? E por que são poucos? Talvez porque muitos são apenas colegas. Mas o que diferencia colegas de amigos? A frequência com que nos vimos? O auxílio que prestam em momentos de dificuldade? Ora, há quem receba mais auxílio de um estranho do que de um conhecido. Será o estranho um amigo? Digamos que o estranho o auxilie num momento de dificuldade, mas não tá a fim de ouvir seus problemas pessoais. Tem-se que ele age mais por espírito humano do que por simpatia pessoal. Seria ele amigo? Eu teria experiências pessoais a relatar. Já tive amigos que me ofereceram cama, comida e dinheiro em tempos difíceis e não os vejo mais, nem sei por onde andam. Eu poderia citar um que inclusive deu o emprego dele pra mim - sim, ele ficou desempregado e me repassou o lugar dele no trabalho. Seria ele meu melhor amigo? Seria eu ingrato de não telefonar para ele no Natal? Eu também já ofereci ajuda a outras pessoas que provavelmente não se sentiriam a vontade comigo por nem mais trinta segundos. Seriam eles ingratos? Seria eu especial, um amigo incompreendido talvez? Diz-se também que a amizade não morre com a distância; contudo, só se pensa numa dimensão de distância, isto é, a distância espacial. E quando se trata de distância temporal? Quero dizer, o moleque que era meu amigo mais chegado no ensino médio, se eu o reencontro na rua, devo falar com ele com a mesma liberdade? Ou temos que apertar a mão e fazer menções meramente cortesas ao passado, com breve atualização da vida de cada um? Às vezes posso ser inconveniente, já que em geral meu comportamento com alguém é quase sempre o mesmo, ainda que durem anos desde nossa última conversa. Outro ponto: amigos são aqueles que nos falam verdades ou nos falam mentiras, isto é, são aqueles que dizem o que queremos ouvir ou o que precisamos ouvir? A resposta pode não ser tão simples quanto parece, já que todo mundo pensa em uma resposta, mas só confere valor real a outra.Sendo mais claro: os que mais reclamam sinceridade,
não a suportariam...
Não gosto muito do discurso conveniente de quem se diz alheio a rótulos. Mas eu acho que a ideia de amizade quase sempre está acompanhada de uma categorização que não se sustenta. Vivemos num mundo tão dinâmico, conhecemos tantas pessoas, estamos sempre envolvidos na vida de alguém - ainda que não nos apercebamos disso - que quase sempre penso que sou mais amigo da pessoa que conheci há duas semanas do que daquele que conheço há dez anos. Há exemplos que poderiam ser mais absurdos. Não raro em filas de banco ou hospitais públicos nós compartilhamos a reclamação pela demora com algum estranho e logo entabulamos conversa, que podem passear por temas diversos (futebol, política, dívidas, problemas familiares, dramas pessoais): frequentemente, nos abrimos mais para estranhos nessas filas do que para parceiros de longa data. Talvez não exista mesmo esse papo de mais ou menos amigo. Amizade, como amor, talvez não seja algo que exija reciprocidade. A maioria das pessoas que eu gosto de pensar que são meus amigos nem sabem que o são. Em outros casos, deve ser o contrário. No fundo, saber ou não saber não importa.
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